27 de novembro de 2010

Greve Geral - Rescaldo II




Nunca se afigurará tarefa fácil a análise dos resultados da adesão a uma determinada greve, tratando-se ainda para mais de uma greve geral, afectando todo o aparelho produtivo de uma nação, quer na sua componente estatal, quer também na sua vertente privada.
É pueril ou mal intencionado, pretender estabelecer a ideia que o número de trabalhadores que aderiram à greve é precisamente igual ao número de trabalhadores que assim o desejavam, por acharem a greve justa e legítima.
Dito por outras palavras. É demasiado evidente, mesmo dispondo de toneladas de informação e capacidade para a ler e interpretar correctamente, que nunca será possível a qualquer analista concluir que o universo de trabalhadores que aderiram à greve, representa exactamente o conjunto daqueles que queriam fazer greve.
Existe uma caixa negra entre a vontade que cada trabalhador tem, ou não tem, em aderir à greve (input) e participação nessa mesma greve (output).
Pode-se até transportar o atrás citado input, mais para montante, pois da aludida caixa negra farão também parte os mecanismos que levam muitos trabalhadores a não terem vontade de fazer greve, apesar de reconhecerem válidos e justos os motivos que levaram à sua marcação.
Classifico pois como caixa negra, este mecanismo condicionador da vontade e da consciência dos indivíduos, sendo essencialmente composto por factores exógenos aos mesmos. Sendo fácil elencar alguns dos elementos da sua engrenagem, mais difícil resultará a descrição da dinâmica intrínseca a esta máquina modeladora de consciências e vontades, motivo que me levou atrás, a designá-la por caixa negra.
Estando a correr o risco de parecer querer incluir apenas os elementos ou factores condicionadores da participação na greve, reconheço desde já que também haverá os que “empurram” alguns dos trabalhadores para a luta, apesar da sua escassa vontade ou ténue motivação, porque ancorada numa fraca cultura de classe.
Nestes casos surgirá como factor de reforço a ostentação da vontade da maioria, o trabalho de formiga do delegado sindical ou a acção do piquete de greve, como reduto último dos trabalhadores em protesto e exigindo o mínimo aos restantes camaradas de trabalho – a sua solidariedade.
Creio contudo ser legítimo assumir que, colocados em oposição nos pratos de uma balança capaz de medir tais grandezas, os aspectos atrás citados, facilmente sairão derrotados, por comparação a todos os factores avessos ao conceito de greve e constrangedores da sua prática, resultando tal medição num desequilíbrio capaz de produzir danos irreparáveis em tão útil instrumento de medida. Senão vejamos:
Patrões, gerentes, directores, chefes, encarregados e caciques, com todas as suas ameaças veladas, repetidas em surdinas inacabadas ou em monólogos impositivos. Empresários, economistas, políticos do mainstream, fazedores de opinião e jornalistas quase todos, transportando consigo as teorias da inevitabilidade, da ameaça do FMI, da ruptura da segurança social ou da falência do conceito de Estado de Providência (Welfare State, mesmo para a pátria que pariu o neo-liberalismo). Todos juntos, com a voz devidamente amplificada por uma comunicação social amestrada, apresentam um peso bruto capaz de sufocar sem grande esforço, as vozes roucas e cansadas de quem ainda não desistiu da denúncia de tais falácias.
Mas os bravos trabalhadores portugueses que partem para as greves, não se vêem somente obrigados a vencer as más consciências produzidas pelo evidente desequilíbrio atrás descrito.
Como se tal não bastasse, no pindérico Portugal de hoje, os portugueses e portuguesas que decidam fazer greve, habilitam-se a ser premiados com os simpáticos apodos de insubordinado, calaceiro, egoísta ou inconsciente e caso tal não se mostre suficiente para beliscar a sua dignidade, são então apelidados de sindicalistas profissionais ou até comunistas.
É vê-los, os pelintras de merda, alçados na soberba da sua ignorância, a rirem-se, a olharem com desdém e ar de gozo, aqueles que na rua se manifestam por ambicionarem um Portugal melhor para todos. A mesma corja de cretinos que povoa os espaços abertos aos comentários, nas edições online da pobre imprensa deste país.
Tudo isto é triste, tudo isto é fado…

Portanto, não me lixem.
Fazer greve em Portugal é cada vez mais difícil e quaisquer que sejam os números que ilustrem a adesão, por mais exactos que aparentem ser, pecarão sempre por defeito, por esquecer aqueles que se vergaram ao peso do sistema.
Por esquecer aqueles que contornando o piquete de greve, seguindo de olhos no chão, temeram cruzar o olhar com alguns dos seus camaradas. Por olvidar aqueles que vencidos pela vergonha, mas mais derrotados ainda pelo medo ou pelo preconceito, se acharam moralmente obrigados a trabalhar, sendo pertinente questionar a amplitude da liberdade com que exerceram a sua jornada de trabalho.
Aos restantes, àqueles que acharam conscientemente que melhor seria trabalharem, porque as nefastas políticas seguidas nada lhes dizem ou em nada os afectam, ou tão pouco reconhecem na acção deste miserável governo, algo de mau, ainda assim, o meu respeito. O mesmo respeito em temops idos guardado a quem ousava manifestar-se. Respeito sentido, mesmo entre aqueles que não se achando na condição de manifestarem o seu desagrado pela situação vigente no país, reconheciam valor a quem desafiava.
Para os outros, os pelintras e ignorantes que se acham capazes de gozarem o prato, temos encontro marcado…

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